Sendo uma pessoa cada vez mais focada em se acertar no meio profissional, com a árdua missão de aliar sentido e prazer com segurança financeira, comecei a passar mais tempo nesta rede que nos conecta neste exato momento.
Vestido com meu mais legítimo interesse profissional, espanta-me o quanto de repulsa o Linkedin me gera. Motivado a participar em discussões relevantes ou me atualizar ou sei-lá-o-quê-mas-alguma-coisa-boa, dou uma respirada funda e continuo rolando o feed.
Alguém explicando uma regra do comportamento humano que só ele sabe em menos de 50 palavras. Um profissional de RH que contratou alguém em uma situação calamitosa porque tem bom coração. Uma pessoa orando e desejando bom dia como se estivesse no grupo da família no WhatsApp.
É, não tem como. Tudo aqui tem um gosto artificial. Um melancólico entusiasmo fingido que supera qualquer a toxicidade de qualquer outra rede social. A vontade crescente de vomitar ou esganar alguém através da tela é certa a cada checada.
A culpa é de quem?
Estamos falando de um problema cultural — evidentemente — mas isso não significa que os indivíduos são os únicos atores nesse palco.
Você já pensou duas vezes antes de emitir uma opinião política no Facebook e voltou atrás porque seus parentes estavam lá? Ou seus amigos, que pensam de maneira diversa? Talvez sim, talvez não. Podemos querer evitar o confronto com nosso círculo íntimo ou estarmos confortáveis com isso.
Porém e com seus empregadores? E com seu chefe? E com esse “mercado” que pode te contratar ou descartar? Você arriscaria dar uma opinião que você consideraria divergente da imagem criada de modelo de profissional exemplar? Pode ser que sim, pode ser que não, mas a relação de poder aqui é outra, colocando em risco muito mais do que criar um mero desconforto no almoço de domingo.
A vida profissional está relacionado a um medo primário: como eu vou me sustentar? Somos completamente dependentes do sistema para conseguirmos os recursos para tudo: comer, estudar, morar, cuidar da saúde etc. Com tudo isso em jogo, ficamos em uma posição muito delicada para sermos divergentes, críticos ou até mesmo simplesmente autênticos. A censura fraca da chamada reputação exerce grande poder sobre o que falamos e até sobre como pensamos. Por que ser do contra? É melhor seguir a maré e tentar brilhar nos modelos existentes.
Ou seja, no fundo, o Linkedin não é a pior rede social por qualquer particularidade do seu funcionamento em si, mas porque ela retrata como funciona o mundo profissional como um todo.
Antes de postar, todo mundo coloca suas fantasias de Barbie e Ken, exaltando assim suas incríveis qualidades, feitos, skills. Sem erros e sem problemas, afinal, estamos a todo momento vendendo a nossa imagem. Na verdade, até existem pessoas que demonstram falhas ou fraquezas, mas só for com aquele gigantesco ponto de virada em que fique claríssimo a superação e que não há mais o menor resíduo dessa falha.
Sucesso em um mundo mais virtual que analógico se limita à percepção de sucesso. Na esperança que esse sucesso do plano das ideias se materialize na vida real, o mantra das startups “fake until you make it” (finja até que você se torne) é o que dá o tom das relações quando somos as empresas nós mesmos. Na competição, temos que disputar a escassa atenção contemporânea nos destacando em uma vitrine de profissionais perfeitos.
Tudo é incrível, fantástico, falso e de plástico. Há quase nada de humanidade verdadeira por aqui. Não conseguimos ser autênticos por não nos sentirmos à vontade para demonstrar vulnerabilidades nessas condições.
“E o que seria demonstrar vulnerabilidade no mundo profissional?”, a revisora do meu texto me pede para desenvolver. Não é algo fácil de responder, há muitos caminhos a serem percorridos, além de ser muito subjetivo. Talvez possamos começar com humildade. Definida no dicionário do Google como “virtude caracterizada pela consciência das próprias limitações; modéstia, simplicidade”, é uma atitude completamente contrastante do mundo de especialistas em todas os assuntos que é essa rede.
Pensamento crítico talvez seja outro exemplo. Ser capaz de expor pontos de vista divergentes em relação a sua empresa, a sua indústria, ao mercado de trabalho ou ao mercado mesmo — e não só quando a “divergência” é falsa polêmica e aplauso certo.
Para que fique claro, não estou me colocando acima desse jogo. Já tentei criar diversos conteúdos para esta rede, ora falando de tópicos que eu julgava quente no trends de mercado, ora sobre melhoramento pessoal. Até profissionalmente produzi conteúdos utilizando essa mesma lógica. Meu objetivo, como a de praticamente todo mundo que está aqui, era ganhar biscoito e construir reputação profissional. Também tenho um lado autoconsciente que diz que ser reclamão como estou sendo agora é uma estratégia muito usada e muito eficiente de tentar aparecer, mas o que eu posso fazer para evitar?
Eu sei. Posso estar sendo amarguinho. Porém, meu amigo, me entenda. Os tempos estão difíceis e isso acaba mexendo com nossos brios. Por isso, como ferramenta de calibragem da minha percepção da realidade através do olho alheio, vou pedir um favor. Esqueça da fantasia profissional e me diga de humano para humano: você concorda que é difícil ser autêntico no mundo profissional? E o que você acha sobre o Linkedin? Conseguimos fazer alguma coisa?